quinta-feira, 8 de abril de 2021

Tire o seu sorriso do caminho


Outra cena BBBista que me deixou bastante comovida (ao lado dos episódios referentes ao racismo/combate ao racismo, que testemunhamos fortissimamente esta semana) foi o rasgo de delicadeza de alguns participantes após a eliminação de Rodolffo no paredão. O ex-emparedado Gil queria esgoelar a alegria de ter ficado, mas não queria magoar o também permanecido Caio – que, embora liberto por mais um tempinho do risco de deixar o jogo, chorava a saída de seu parça muito mais do que celebrava a própria permanência. Que fizeram Gil, Camilla, João, Juliette e Fiuk? Mocozaram-se tão discretamente quanto possível na despensa da casa, a fim de, numa pocket festinha do coração, darem livre curso aos gritos felizes sem afrontarem a tristeza dum brother órfão de seu brother. Oito trilhões de pontos de fofura para a Grifinória.

A maciez e a elegância da atitude ganham montão de relevo pelo fato de ser absolutamente compreensível, nessas circunstâncias, NÃO tomá-la; ninguém iria condenar Gil e sua querida entourage por desabafar alívio em altos brados no jardim, na sala, na piscina – até porque o morador que procuraram poupar não era apenas um viúvo de parceiro, era também um sobrevivente com motivos particulares de comemoração. Ilustrando bem, no entanto, o quanto o grupo em questão é sofisticado em bagagem empática, preferiu-se o melhor ao normal, o mais fino na generosidade em vez da média de comportamento, e isso é indescritivelmente encantador como amostra de sociedade ambicionável. Se posso desde já deixar encomendada uma prendinha para os fantasmas dos Natais futuros (sem exigências de prazo nem nada, no tempo deles, caso estejam passando assim de boas na calçada da loja, vai que), peço isto: um planeta habitado por uma gentaiada toda dessa vibe, muito mais amiga de refrear suas reações do que de espicaçar a aflição do outro, até quando não estiver "fazendo nada de errado". Uma humanidade que basicamente não ache graça nenhuma em botar seu riso sapateando sobre alguma dor.

Eu sei, é normal zoar o irmão, o pai, o conje, o colega quando o nosso time ganha fragorosamente, e fragorosamente o dele perde; a zoação se miltiplica se as duas ocorrências se dão no mesmo evento; mas é ainda melhor festejar com a sobriedade dos vencedores, sem agravar as já muitas chateações sérias deste mundo por causa de uma que é tão irrelevante e tão nos-alheia, visto que nem a vitória nem a derrota daquele bando de jogador nos têm como causa ou nos geram qualquer consequência (sim, considero essa bagaça apenas uma fonte de aborrecimentos, especulações, disparidades financeiras e rivalidades inúteis, me processem). É normal soltar fogos metafóricos em honra a uma promoção no emprego ou a uma aprovação na faculdade dos sonhos; mas é melhor, mais sensível, mais gentil baixar a bola diante de quem foi reprovado ou demitido. É normal querer passear com um carro de som na vizinhança para berrar aos ventos que se sobreviveu à covid; mas é melhor maneirar o entusiasmo na presença de indivíduos que a covid deixou enlutados. É normal querer decantar os prêmios, as posses, as felicidades, os feitos; mas precisa? não é melhor uma moderação cortês em meio a um público que pode conter muitas almas suscetíveis à "depressão comparativa", comum em Faces e Instagrams?

"Credo, que é isso, também não pode nada, parece que todo mundo é um floquinho de neve, a gente não deve apagar a própria luz, vai ver que você é que tem medo de olho gordo ou coisa do tipo." 1) Eu nunca disse, nem teria autoridade para dizer, que não pode nada – somente penso e continuarei pensando que ostentações são ridículas e cafonas, e que, mesmo naquilo que não configura ostentação, não custa ter um tato carinhoso com sentimentos alheios: é uma turbinada na elegância; 2) as pessoas não são floquinhos de neve, mas não são Homens de Ferro tampouco; a não ser que suas provocadas fragilidades venham de fonte ilegítima – racismo, homofobia e misoginia, por exemplo –, acredito ser mais próximo do real tomar as psiquês como estruturas potencialmente vulneráveis, portadoras de medos, traumas, feridas, dores de autoestima que não imaginamos; 3) a gente não deve "apagar a própria luz" se é realmente luz e nos pertence, em vez de ser exibicionismo terceirizado em forma de bens, títulos etc. (porém é fato: NADA de se apagar em nome de alguma relação abusiva e egoísta, meu povo!); 4) não, céus, não penso nesses troços que chamam de olho gordo e afins, nem teria motivos para isso; ademais, NÃO É sobre nós mesmos, sobre como o outro talvez pudesse nos prejudicar, e sim sobre como NÓS talvez viéssemos a prejudicá-lo. Capaz até de servir mesmo de escudo – mas a intenção primária é a de ser uma deferência, um manifesto mudo de gentileza. Custa?

Se o custo parece muito alto, vai ver que não ser invejado é o que te assusta.

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