segunda-feira, 26 de abril de 2021

Segundo compêndio irritado de coisas irritantes


Aquelas tripinhas intragáveis das blusas, saias e cia., feitas para penduração em cabide, mas facilmente confundíveis com alças – o que nos faz ter de dançar a Ragatanga para vestir a peça sem acabar parecendo uma obra de Picasso. Aqueles arozinhos de plástico dos sutiãs que escapam do tecido e começam a se enfiar na pele. Anúncios de programas invadindo furiosamente a tela do programa que está sendo visto. Ventilador engolindo, com o barulho, o programa que está sendo visto. Gente trancando o fluxo da escada rolante. Porta arrastando. Máscara alargando. Armário desnivelando. Pedacinho de plástico grudando alternadamente numa das mãos e na outra, por eletricidade estática. Restos mortais de festa grudando no sapato. Música que não se quer ouvir tocando em evento de que não se pode fugir. "Contudo". "Todavia". "Hodierno". "Outrossim".

Cabides enganchando mútua e violentamente no armário e capturando roupas alheias à sua jurisdição (quem nunca teve de apartar briga de cabide não viveu o suficiente para conhecer o ódio). Gente que disseca o meme nos comentários EM VEZ DE SIMPLESMENTE RIR, MUNDIÇA. Homem que se acha o último Aristóteles da Academia e começa qualquer explicação de altíssima irrelevância com "vamos lá". Homem que se acha o último Aristóteles da Academia e começa qualquer explicação de altíssima irrelevância. Homem que se acha o último Aristóteles da Academia e começa qualquer explicação. Homem que se acha o último Aristóteles da Academia. Homem que se acha. (Só não digo "homem" porque conheço alguns exemplares extraordinários e sou, inclusive, casada com um; mas vocês não costumam ajudar, meninos.)

Pés formigando. Mãos formigando. Sites em permanente estado de carregando. Papel cortando fi-ni-nha-men-te o dedo. Vento aloprando o cabelo recém-domado. Peça de roupa alecrim-dourada que só combina com UMA determinada peça de roupa. Zíperes que decidem pela aposentadoria e passam a só fechar, gloriosamente, os 2 milímetros do meio. Portas de banheiro público que ficam a 39 quilômetros de vedar o reservado com alguma dignidade. Familiares de crianças pequenitas que chamam cachorro de auau. Familiares de crianças pequenitas que interagem AOS GRITOS, no play, com as crianças pequenitas, usando de dialetos inacessíveis ao grosso dos usuários da língua. Legendas que entram 3 minutos antes ou 3 minutos depois das falas correspondentes. Tradução simultânea que não deixa a gente entender as premiações em nenhum dos idiomas disponíveis. Premiações que não deixam a gente ver trechos dos filmes laureáveis (sim, é com você, Oscar de ontem, seu ENTOJO). Depósito que passa dias em limbo bancário. Biometria de caixa eletrônico que solicita mover o dedo mais para a direita mais para a esquerda mais para cima mais para baixo e decide que não, lamentavelmente não consegue ler a digital, sessão encerrada. Post de congratulâncias que começa com "hoje é o dia dele(a)". "Divisor de águas". "Meu grudinho". "No tocante a" (o coiso adora, BLERGH). "Fitness". "Mimimi".

Quatro e muitos tantos da madruga – e eu aqui.

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