sábado, 10 de abril de 2021

Obesidade grávida

No Jornal Hoje de ontem (o que por si só já é uma expressão fabulosa), a querida Maju cometeu desses pequenos deslizes tão deliciosos que ficam muito melhores do que a proposta: ao pretender falar de obesidade grave, acabou soltando obesidade grávida – e corrigindo, aos risos, logo em seguida. Mas é fato que errado não tá, a sabedoria frequenta bem assiduamente os atos falhos; existem com muita clareza a obesidade mórbida e a obesidade grávida, sem que isso tenha nadinha a ver com tamanhos de corpos, e sim com fertilidades de intenções.

Discursos baloooofos de poses e jurismos e latins e outrossins e excelentíssimos e todavias: obesidade mórbida, claro. Se o objetivo não é ser arte, não é ser literatura, mas ao contrário ser coisa bem despida de encantos e objetivazinha, PRA QUE essa prosa que arrudeia, arrudeia inchadamente e gasta papel, tempo, tinta em vez de mirar o alvo diretão, em vez de resolver questões ligeirão, em vez de ser sequer compreensível para a imensa maioria das partes implicadas nos processos? Agiliza, gente, ninguém tem o dia todo. Já não existe essa balofice estéril num contar da mesma história 46 mil vezes e mais 152, a mesmíssima história para a mesma criança, pré-noites de sono a fio; vai ser sempre um exagero grávido de entonações amorosas, de experiências confirmadas, de vínculos costurados again and again, e sempre fascinantemente novo e velhamente indispensável como os clichês do era-uma-vez.

Mensagens melequentas de carros de som contratados para dar os parabéns: não é só obesidade mórbida, é pico diabético. Juro que romperia qualquer tipo de relação amigável com alguém capaz de enviar um troço desses, já que obviamente é uma criatura capaz de tudo nesta vida e eu não quero acabar dando depoimento para o Vivendo com o inimigo (carros-de-sonadores que estão aí trabalhando honestamente, me perdoem, não é pessoal. Mas com o remetente de uma mensagem do gênero, ah! seria). Em contrapartida, se se dá ao indivíduo a ser mimado um livro transbordante de oitocentismo – com todos os suspiros poéticos, as saudades, os mares, as matas, os sabiás e palmeiras, os amores e medos demasiados, os largos desesperos –, pronto: é um jorro literário de emprenhar quaisquer corações em que haja um brotinho de paixão promissora.

O palavrê baboso, enredante e tóxico dos falsos pastores que só querem tosquiar saldos bancários: mórbido. O tanto de debate farto e colorido de cada Papo de segunda que nos adentra a telinha: grávido. O borbulhar de informações fecundantes que nos chocam, mas nos inseminam de luta, em todo e qualquer Greg news: grávido. O Mar Morto de esparrelas, mentiras, preconceitos, desserviços criminosos que permeiam a bolsosfera whatsappiana: mórbido. Texto de Mia Couto: grávido. Texto de cartão de papelaria: mórbido. Eventual viveiro de cafonices atribuído a Clarice ou Drummond no Facebook: mórbido. Bom-dia de Zaplândia: móóóóórbido! Discurso do Lula: grávido (que o Brasil possa gestar em breve). Roteiro do Jorge Furtado: grávido. Tudo de Guimarães Rosa: grávido em cada via, em cada vereda, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro – o rio.

Grávido é todo impacto fecundo que nos mantém em condições de esperar.

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