terça-feira, 11 de maio de 2021

Absurdos permanentes

Einstein disse deliciosamente que "se, a princípio, a ideia não é absurda, então não há esperança para ela". Não é assim? A história de nossa residência como espécie na Terra é a história de conceitos absolutamente esdrúxulos – para o bem e para o mal, é verdade, mas fiquemos aqui apenas com a parte que Einstein carimbaria com o selito verde de coisa esperançável. Faria algum sentido que uma criatura de quatro séculos atrás, por exemplo, sonhasse com uma realidade em que seus semelhantes sacassem retângulos iluminados do bolso e congelassem no tempo o som, a imagem, o perfeitinho instante vivido, enviando simultaneamente esse instante quilômetros além, rumo aos retângulos iluminados do bolso de outros semelhantes? A tendência é que um tal sonhador virasse churrasquinho nas mãos de outros terceiros semelhantes, que provavelmente se teriam entreolhado com horror ante a narrativa dessa visão e imaginado de pronto que o bruxo em questão merecia aniquilamento sumário, para deixar de ser besta.

Em tudo somos desses maravilhosos bruxedos; assim fomos projetados, e acaba que só não há esperança para os que teimam em sufocar seus próprios absurdos felizes e os alheios – só não há esperança para os fantasiadores medíocres que, ressentidos de seu pavor em desenrolar as asas com plena envergadura, concentram-se em derrubar o máximo de ícaros no chão. Porém os ícaros são mais, são muitos, e continuarão gerações a fio a voar, voar, subir, subir, ignorando bem solenemente o quanto são mais pesados que o ar. Continuarão tendo e executando ideias absurdas: criando mentalmente pessoas que nunca foram e nunca serão, e delas contando histórias como se sempre tivessem sido; transformando em sinaizinhos gráficos um bando de sentires e pensares bastante complexos, que se transmitem admiravelmente entre dois seres separados até por milênios, desde que ambos conheçam os mesmos sinaizinhos e os conjuntinhos de sentido por eles formados; decorando suas tocas com expressões da subjetividade de outras pessoas; se descabelando para trazer ao mundo minicriaturas que lhes provocarão toda sorte de desconforto físico, cronológico, higiênico, sonoro, financeiro, e que serão ainda assim os prováveis centros de sua rotina; usando pedacinhos de plástico e abstrações numéricas a fim de adquirir mais coisas concretíssimas para dentro da toca, e mais trabalho de limpeza consequentemente. Em se considerando (com moderação, para evitarmos o aborrecimento duma loucura definitiva), somos absurdos ambulantes, absurdos permanentes, que os demais seres animados contemplariam com ainda maior aturdimento se fossem dotados da razão que nos torna doidos.

A maior das ideias esbrúxulas ainda é o amor, este então! digno de ocupar todo e qualquer cômodo da Casa Verde bacamartiana. Ao mesmo tempo ridículo de ternurices e ansioso de antropofagias, amansador de feras e espicaçador de voracidades; dado a autoimolações sem sequer a desculpa do instinto genético; preferidor, às vezes, dos não correspondentes, e outras tantas vezes dos não exemplares; superador dos mais básicos impulsos de autopreservação, no caso de o outro (e não necessariamente um outro específico) estar em risco de perecimento; domador de egos furiosos pela própria vontade do ego furioso – eis, enfim, o projeto que tem quase perfeitamente tudo para dar errado e é o maior de nossos acertos, sem o qual seríamos como bolotas de sinuca com perninhas e penteados estranhos empurrando umas às outras contra paredes e buracos, sob o toque de uma natureza violenta.

Só com o decidido ignorar dessa força é que ganhamos a força de permanecer todos sobre a mesa.

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