quarta-feira, 5 de maio de 2021

Maneiras de evolar-se


Vocês conseguem estar onde estão? Eu não consigo – e não falo obviamente de quarentenas, que nisso estou desde sempre mui sossegada e quietinha, inclusive bastantemente satisfeita por fazer calhar um dever cívico com uma conveniência pessoal (recomendarem-me não sair é só assinarem embaixo do que já digitei). Não vou achar lado bom na pandemia porque uma desgraceira assassina dessas não tem qualquer lado bom, é apenas nuvem de sofrimento denso, plúmbeo, ao estilo da nave de Independence Day; mas a circunstância do isolamento, isolada, não me causa desagrado. O que causa intenso desagrado e ansiedade é a circunstância de o isolamento ser invadido, tsunamizado por circunstâncias outras, essas ferozes e furiosas, como a política de pleno fascismo que ora vivemos e a avalanche de neo-obrigações que nasceram súbita e tortamente. Da invasão que me busca até onde me entoco é que fujo para um ainda maior entocamento; ou antes: fujo para jardins fresquinhos que se abrem só por meio de passagens duplamente secretas.

Que meios e modos existem de o coração sobreviver, escapando-se pela tangente? Não sei o de vocês; para o meu – que quanto mais agredido de Brasil mais se põe arredio – há cinco ou dez portinhas de entrar em Nárnia para hospedagens emergenciais:

Ler. Ler constante, diuturna, tenaz, afincadamente. Ler em qualquer esquina de tempo, duas crônicas aqui, seis páginas lá, mais um capítulo adiante no Projeto Gutenberg (sim, também leio online, embora prefira com paixão o livro físico; algumas obras eu não encontro físicas, afinal, e nessa antessala do paraíso que é o Projeto Gutenberg residem MILHARES de títulos baixáveis ou simplesmente clicáveis. Vida longa, próspera e com piscina de borda infinita no Éden aos desenvolvedores desse site-magia).

Garimpar o que há de ser lido. Descobrir autores inadivinháveis e obras insuspeitas de autores já tão amadamente descobertos. Esquadrinhar sebos virtuais, botar a Estante abaixo na perseguição de novidades (ou velhidades?), desenterrar nomes de sob esquecimentos injustos, cavar enfim uns bauzitos de tesouro espalhados com aleatoriedade excitante.

Escapar para dentro de narrativas vistas, não lidas – raras vezes e boas.

Caçar temas. Caçar poemas. Caçar dilemas. (Deve haver uma qualquer Artêmis flechadora galopando em minha psiquê.)

Rir de memes tolíssimos em série; em modo sério, o país não permite sobrevivências.

Ler sites de curiosidades fofas, brumosas, ternas, malucas.

Engatar um programa do Investigação Discovery no outro, sempre dando pasto à cruza de Holmes com psicanalista que habita minha alma tão diagonal.

Correr o fluxo do Face e, com frequência mais avulsa, o do Twitter, colhendo uns mosaicos de gente: mesmo em distanciamento nos abraçamos, só o que temos de sólido desmancha no ar.

Esperar.

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