terça-feira, 8 de dezembro de 2020

A gente não sabe o tamanho do dia


Foi o que uma das crianças "de" Pedro Bloch alegou (em registro feito no Dicionário de humor infantil), ao ser interpelada pela mãe a respeito do tantão que estava levando "pra passar o dia lá", seja  onde fosse: sim, era um único dia, só que a gente não sabe o tamanho do dia. Eu, que em cada saída adivinho uma miniviagem e em cada viagem suspeito uma missão Apollo 11, me vejo incapaz de discordar; as horas seguintes podem ter sempre qualquer extensão, espichar-se para qualquer área. Preceito de sabedoria.

A gente não sabe o tamanho do dia. Se vai correr ligeiro como romance de varar a noite ou manso de poesia; se vai ser toada de violão na fogueira ou batidão de academia; se vai ter urgências de menino berrando, se vai ter demoras de casa vazia. Às vezes o preço caiu no mercado (quem suporia?) e a festa vai ser mais cedo, mais logo, mais de surpresa, mui antes que deveria. Às vezes olhares e climas esquentaram na padaria – e mesmo sob máscara cada um soube que cada qual sorria. E se, antes do pôr do sol, inda vem visita de tia? presente? declaração? telefonema daquela guria? ou nada, naturalmente (mas eeeeeu não juraria: não há que prever o imprevisto até ser notícia fria). 

Ih, a gente não sabe o tamanho do dia. Tropeça-se na calçada, acampa-se na enfermaria, encontra-se o velho parça que chama pra excursão à Bahia (na pandemia??). Ganha-se o empréstimo, paga-se à senhoria, à mercearia, ao vigia: o sono recém-tempestade faz-se por fim calmaria. Um texto reforma, em minutos, nossa vã filosofia; para alguém dos arredores, se encerra a travessia; o que podia chocar-nos esvai-se, choca-nos o que não podia, comove-nos o inusitado – vemos o que ninguém via. Quem sabe as dezenas da loteria?

Ai da gente, que não atina – nunca – o tamanho do dia. Pode se esticar em DR, spleen, espera, melancolia, caminho (sono)lento de serra, dor no joelho, agonia; pode se encolher em véspera (tome tensão, correria), fluir curto feito o beijo que vem quando já não viria. Prever com qual profecia? Súbito se dobra a esquina para: o caos na rodovia; o reatiçar da fobia; a causa – a justa causa – da arritmia; um túnel do tempo, um chamado, um assalto, uma loja de galeria, um pasto de nostalgia, e mesmo (ironia) o amor que abala mais agora do que quando se sentia. Quem diria.

Não há, não há como saber mes-mo qual tamanho vai ter o dia, qual a potência da carga, do encargo, da bateria; se manancial de força ou de afogo, desconsolo ou energia. A gente não sabe – não poderia – se está no início da saga, se em berço de ninharia, nas bordas da utopia, em outra biografia, no procurados da CIA, no comercial da Sadia, na mesa da Ana Maria; a gente não sabe para onde caminha o que agora principia.

Senão não vivia.

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