terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Fica, vai ter Boulos


Sei que não foi ainda desta vez, e intimamente nem pensei que seria, embora torcesse com todas as avenidas do coração (em prol de uma cidade que sequer é a minha, aliás). Mas sei também que foi lindo, foi lindo; que a eletricidade de renovação botou a imprensa com suor gelado na testa; que a força demonstrada se revelou imensa – levando-se em conta o tratar-se de um Davi achacado por fake news, tachado de "invasor" na rede de zaps da trafabra (tradicional família brasileira), sabotado cristalinamente pela mídia, contra um Golias abençoado pelo governador, empresas, empresários, jornalistas, tradições de estado e olhinhos fechados para crimes eleitorais. Dentro das possibilidades de quem faz política no chão, no afeto, na limpeza, foi um abalo sísmico, sobretudo em época de bolsonarismo ainda galopante (ou talvez, no máximo, trotante; amém?). Um psiuzinho que convoca à resistência, um (p)solzinho que prova que não está morto quem lampeja.

E o muito, muito querido Guilherme Boulos tem lampejar todo seu, sendo ao mesmo tempo um espécime dessas forças de linhagem; ainda que com origem e biografia profundamente distintas das do ex-presidente, aproxima-se bem do carisma lulesco no bom humor, no papo reto, no genuíno carinho do contato, no interesse mais do que evidente pelas necessidades-raiz do povãozão. Seria injusto com ele e com Lula reduzi-los a tipos repetidos, como Neos de uma Matrix, porém não se pode tampouco deixar de honrá-los com o que existe de comparável em suas belezas: há em ambos uma autenticidade na forma de se achegar ao público e de representá-lo que desperta mais do que admiração – desperta o instinto da familiaridade, do afago, da simpatia. Boulos nem ninguém será um novo Lula, cuja trajetória é irrepetível até onde conseguimos ver; e no entanto, assim como Lula, Boulos irá fatalmente evoluindo na condição de Boulos, a ponto de se tornar inevitável em algum momento que o país o constate e o adote como liderança. 

A esse respeito, parafraseio um conhecido de Face e suas melhores certezas: é tempo de me cuidar o mais animada e possivelmente, beber água, ajeitar o sono, tratar a alimentação, fazer exercício – tanto quanto necessário para espichar a vida até poder ver e aproveitar Boulos recebendo a faixa, assumindo um Brasil novamente ciente e cioso de si, protagonista, orgulhável. Porque é preciso querer enorme, do tamanho que temos de fato e não em situação de sequestro; é preciso nos querer como somos ou fomos feitos para ser, se não nos tivessem historicamente raptado para a rapina: terra de abrigo, de asilo, de alternativa, de nau para todas as intenções não predatórias, de refúgio contra todas as exclusões. Terra-casa, enfim, de colo potencialmente tão espaçoso quanto sua metragem – o teto geral e particular que (Boulos é o primeiro a defendê-lo) todos merecem ter como um seu monumento à dignidade humana. 

Por ora se guarde e se preserve também, querido Boulos; há construção robusta pela frente, para breve. Uma equipe inteira de corações prestes ao mutirão estima as suas e as nossas melhoras.

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