quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Today years old


Gosto alegremente da expressão em inglês today years old, em geral usada pelo falante para admitir que era tão velho quanto agorinha há pouco ao ter uma grande revelação ("I was today years old when I found out Gandalf carried his pipe in his staff" = "Eu tinha a idade de hoje quando descobri que Gandalf carregava seu cachimbo em seu cajado", traduzido marromeno. E sim, esse é um tweet real dum sujeito chamado Sam Sykes – o lance do cachimbo também é real, podem conferir). Gosto tanto da brincadeirinha idiomática tão expressiva que confesso uma pena sincera de não haver correspondente direta em nossas brasileirices. Problema não, adoto mesmo assim ou por isso mesmo; bem-vindos sejam todos os instrumentozinhos linguísticos que alcançam sentidos não alcançados pelos nossos. O que é humano de dizer, um qualquer vocabulário humano dirá entre o céu e alguma terra.

Estreias para celebrar com rajadas fogo-artifícias da expressão não faltam, já que todo dia de certo modo nos inaugura. Eu, por exemplo, era today years old quando descobri que os bonequinhos sacanas de André Dahmer nas tirinhas dOs Malvados vêm a ser, na realidade, dois girassóis. Quando fui inteirada de que existe uma teoria doida sobre os acontecimentos no filme Coringa, baseada no fato de que três relógios marcam o horário 11h11 e, depois que Arthur quebra o terceiro deles, os números que aparecem em cena vão fazendo uma espécie de contagem regressiva (uns dizem que o tempo estar parado significa que é tudo um delírio do protagonista, outros apontam que o personagem se encontrava estagnado até o ponto em que passou a se transformar aceleradamente em seu alter ego. Não fui checar ainda não, amizadinhas, mas estejam à vontade). Eu também tinha a idade de hoje quando engordei meu acervo cultural com a informação de que uma das típicas sobremesas natalinas do Reino Unido é o spotted dick, graciosamente traduzível para "pinto manchado" – o que não é nadíssima perto do smalahove, prato de festa norueguês que consiste numa cabeça de ovelha INTEIRA defumada e cozida após a devida remoção do cérebro. Sei não, mas desconfio de que passar um Natal na Noruega seria o empurrãozinho que me falta rumo ao vegetarianismo.

Fiz poucos segunditos de níver de saber que, em Homem de Ferro 2, Tony Stark salvou a vida de um Peter Parker ainda criança (o garotinho com máscara igual à de Tony que não recuou diante de um robô atirador). Estou há alguns instantes nascendo de constatar que o verdadeiro nome do Jotalhão é Jota Matheus Elefantônio Moreira; o da Maria Cebolinha, Mariângela Cogumélio Menezes da Silva; o do Zé Lelé, José Leocádio Eleutério da Cunha Filho; e o do Louco, Licurgo Orival Umbelino Cafiaspirino de Oliveira. Completei a exata idade de um minuto atrás quando soube que os mosquitos são os animais mais assassinantes do mundo e superam, em vítimas, todas as guerras da história. Acabei de cantar parabéns para minzinha por descobrir que "enfiar o pé na jaca" era, originalmente, "enfiar o pé no jacá" – sendo jacá o nome do grande cesto, posicionado aos pares sobre mulas, em que tropeiros transportavam seus produtos nos séculos XVII e XVIII, e em que acabavam literalmente enfiando o pé quando ficavam bêbados e tentavam subir nas mulinhas. Com o tempo tropeiros e jacás foram sumindo da rotina, o acento despencou junto e o símbolo da esbórnia se tornou, digamos, mais hortifrutigranjeiro, ganhando aliás o triplo da eloquência. 

Particularmente sou apaixonada por essas jovens epifanias que, volta e meia, atropelam a gente com sua radiante trivialidade e seu saboroso espanto; que tornam o dia berço, a tarde escola, a jornada miniaventuresca e farta de inícios fresquinhos. Para os que ignoram a lindeza do fluxo, o mundo é notícia velha. Para os que se abrem aos abracadabras, a noite é uma criança.

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