terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Quem quer ser um milionário?


Entendo muito perfeitamente a meu modo as palavras dum Gabriel García Márquez quando afirma: "Eu não sou rico. Sou um homem pobre com dinheiro, o que não é a mesma coisa". A meu modo porque, claro está, não sou nem rica nem uma mulher pobre com dinheiro – porém, considerando que vivenciasse algum dia um milagre e ganhasse solitária na Mega-Sena, passaria certamente a ser do segundo grupo; ao primeiro não pertenceria nunca, ainda que a Madonna tivesse meu número no celular e volta e meia ligasse para pedir um troquinho emprestado. "Âin, você só diz isso porque jamais ganhou na Mega-Sena, senão eu queria ver essa simplicidade toda." Chame de simplicidade se quiser; eu chamo de conhecimento histórico, falta de paciência e preguiça. Primeiro, é tarde demais para dester consciência de que há gente dando farinha com água para os filhos, por não haver mais nada a lhes dar – e não é gente da qual se pescam vagas notícias pela National Geographic, são vidas daqui do lado, com que se esbarra indo à padaria. Segundo e terceiro, é mui igualmente tarde para implantar em mim qualquer farelo de respeito por cotidianos milionários que considero cafonééééérrimos até o último triquetrique de decoração ou etiqueta. Sou minimamente polida, mas 100% imprestável para essas palhaçadas (com a devida vênia a meu Coringa) de salão nobre; uma Gabriela sem canela, sem cravo. Com sapatos. Coladinhos na terra.

"Aaaaah, você ia se acostumar." Amigues: não ia. Essências não mudam, e a minha essência é de feira de artesanato, sebos, antiguidades, popices, fofices, roupas de brechó. Quer me ver entediada em viagem é me colocar num daqueles shoppings ou ruas chiques que só têm Chanel, Gucci, Prada, esses troços iguais no mundo todo, com as mesmas vitrines semelhantemente desinteressantes e os mesmos preços obscenos, pornográficos; bocejo, passo reto, não olho, não entro, nem se pudesse comprar me sentiria atraída tenuamente. Quer me ver encantada é me meter nessas lojitas obscuras ou nesses mercados loucos de rua, cheios de traquitanas muitíssimo dali, só dali, próprias, charmosas, características, de preferência feitas por artistas pequenamente locais. Livros com dedicatória, peças com história, bonitices nunca dantes encontradas, descobertas inopinadas, é isso o mais provável de eu sacolar para o hotel (com gasto de poucas notas, diga-se); sob quaisquer novas circunstâncias continuaria sendo o mais provável. Essa exclusividade da ocasião e da narrativa, sim, é podre de chique. 

"Então você não gostaria de ficar rica?" Não só gostaria como gostaria IMENSO, logo, já, anteontem. Não desprezo em absoluto o dinheiro, desprezo e odeio a forma exploratória como a maior parte dos milhões das gentes é obtida; desprezo a maneira acintosa, oca, ridícula, fetichista, irresponsável, exibicionista como a maior parte dos ditos milhões é empregada. No entanto, viesse a mim limpamente essa bolada em reais, eu a abençoaria de todíssima alma por me permitir comprar dois luxos maiores: tempo e espaço. Não, não quero calcular a velocidade; quero tempo caudaloso para os trabalhos desobrigatórios e espaço não ampliado para mim (que não veria a menor necessidade de mudar de imóvel para ter mais lida e despesa), e sim para os nus de parede, de piso, de teto, a quem eu amaria vestir de casinhas fofíssimas. Ter o prazer supremo de entregar a alguéns chave e escritura das respectivas tranquilidades – duvido haver maior joia em qualquer coroa, bebida de melhor safra, piscina de borda mais infinita. E antes que me estendam o indicador na cara, sim, também acho ser uma manifestação muito particular de egoísmo desejar a autoria de algumas felicidades, não nego; porém é egoísmo que espero seja perdoado, em nome do efeito plantadinho. Já que estamos condenados a buscar o que nos agrada, prefiro cobiçar me divertir dando uma contribuição milionária a todos os acertos. 

Se é Prada que o diabo veste, não sei; mas desconfio que a grana torrada em adereços na loja que lhe seja favorita é parente em primeiríssimo grau de vários desendereços do mundo – aqueles em que ninguém pode entrar não, porque nesses números, estranhamente, só tem chão.

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