segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Um pouquinho de cada tudo


Uma das crianças fofurildas "de" Pedro Bloch, minhas inspirações infinitas, declarou certa vez que queria aprender tudo, mas sabia que era um pouco de mais. Conformou-se, então: "Basta eu saber um pouquinho de cada tudo". Pois. Ante a triste impossibilidade de abarcar tudãozão que já foi dito ou visto ou vivido neste planeta de pura estranheza azul, mergulho alegremente na mesma vibe da humildade bocadinha; é o que temos. Ei, amado, desce aí um pouquinho de cada tudo no capricho. Sem gelo, por favor.

Preciso bater ao menos uma quilolitragem respeitável de Star Wars com uma diminuta de Star Trek e doses absolutamente cavalares de Avengers e Harry Potter. Preciso coquetelar uns rudimentos do francês com umas garrafas do inglês e barris inteirões da nossa flor do Lácio. Preciso duns goles de fazer arroz, de tirar mancha, de entender a Segunda Guerra, de pregar botão, de descrever (teoricamente) a regra do impedimento, de arranhar o basiquinho das capitais, de frequentar um mínimo de redes sociais, de explicar a Inconfidência das Minas Gerais. Preciso reconhecer um Caravaggio, um Lennon/McCartney, um Rodin, um Manoel de Barros; preciso já ter assistido a De volta para o futuro e Psicose, O iluminado e Dirty dancing; preciso nomear os Cavaleiros de Bronze, definir "razão de aspecto", listar os ingredientes do tiramisù, dublar ao menos cinco hits do ABBA, citar ao menos três pokémons, quatro impressionistas, oito filósofos, dez programas do Discovery Home & Health, vinte e dois poetas e uma flor para cada letra. E a letra de "Evidências".

Tenho a necessidade premente de já ter trocado cartas, ouvido a chiadeira do Windows 95 buscando internet, colocado disco em vitrola, colocado fichinha em orelhão, armado árvore de Natal, pesquisado na Biblioteca Nacional, aprendido a fórmula de Bhaskara, calculado a área do trapézio, escrito em papel almaço, comido comida japonesa, protestado na rua, dado looping em montanha-russa. Quero me saber composta por orações subordinadas substantivas, falas de Shakespeare, filmes do Tim Burton; construída pela Nona de Beethoven e pelo Fantasma da Ópera; atravessada pelo Montmartre e pelo estádio de São Januário. Apetece-me ser uma pitada de masala chai, um pingo de Backstreet Boys, um toque de Três Marias, bocados suculentos de Machado, fatias gordas de Mafalda, Elizabeth Gaskell, Elizabeth Harmon, Elizabeth Bennet. Ser os sabores todos em girândola; ser-saber Monet, Roupa Nova, Marquesa de Rabicó, Rick Deckard, Central Park, Luke, Loki, Rachmaninoff, Paola Carosella, "For the first time in forever", alexandrinos e o valor de pi.

(E ainda mal existi.)

Nenhum comentário: