sábado, 19 de dezembro de 2020

Poesia é quando


"Poesia é quando a tarde está competente para dálias", escreveu Manoel Amadíssimo de Barros, e duvido alguém ter moral para discordar. Só entidades da envergadura da poesia podem estar, ever, competentes para dálias. É um superpoder evidente e reconhecido em cartório (Manoel de Barros, para poesia, é cartório – ou mais precisamente embaixada), tão rutilante que me deu ganas de aprofundar a pesquisa de tudo quanto a poesia é, sendo poesia quando. Pois então. Segundo precisamente esses apurados estudos, a poesia é quando:

véspera de Natal coincide com olho de criança.

margarida e estrela, copuladas, dão em áster-arbustiva.

confete faz memória de outono.

a noite faz compêndio de frases.

o tropeço fica obliquamente pronto antes do chão. 

um azul muito consecutivo de céu se interrompe com dente-de-leão. 

um pêssego é deglutido só em palavra.

até na sombra a hora tem perfume. 

o amanhecer é exclusivo no intervalo das árvores.

vão três copos d'alma em receita de livro.

metal só não desiste de compor reflexo. 

lua tende para sal.

vento parece diagonal nos cabelos de uma muito amada.

não se copia melhor com lápis de cor nem com banjo. 

não há condição de indesvios.

um círculo de toque casa a pedra com a água.

uma cadeira acontece devagar, sob a ausência do que sempre. 

a data acorda intrínseca.

tem haikai no submundo do pântano.

é um absurdo o sol não ser relicário.

quase todo relâmpago se especializa em janela.

mora purpurina em qualquer coisa que por enquanto. 

todo acontecer é de vidro.

nenhum crepúsculo acabou ontem.

três metros de absurdo nos naufraga.

o caminho se mente inédito.

e todas as possíveis conclusões que confirmam o disparate de nascer enviesado para o que há e bem exatamente líquido para o que falta.

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