domingo, 27 de dezembro de 2020

Porta-retrato e parede


Um presente extraordinariamente querido que recebemos de Natal foi a versão ampliada, p&bzada e emoldurada duma foto de nós dois sentados – à moda de Woody Allen e Diane Keaton, em cena icônica do filme Manhattan – de costas num banquito de Nova York, com a mesma ponte de cinema ao fundo. Amamos tão imensamente que começamos a escarafunchar arquivos à cata doutros cliques de viagem que pudessem, embora em tamanho menor, acompanhar a imagem-presente na parede. Dificílimo, por motivos de: aparentemente existem (diz estudo por nós realizado muito exatamente hoje) fotos de porta-retrato e fotos de quadro, que têm a curiosa tendência de excluir-se – e a amofinação é que a maior parte das "perfeitinhas" também tem a curiosa tendência de pertencer ao primeiro grupo.

Fotos de porta-retrato são em geral denotativas; normalmente as pensamos como registro jornalístico, miniaturas do lugar e instante, maquetes tão representativas quanto possível da aventura em questão. Fotos de quadro são conotativas, metafóricas, metonímicas, sem compromisso em cartório com o me mostra como era lá, sem obrigação de bater ponto no álbum compartilhado com tios e amigaiada. Fotos de porta-retrato não podem estar piscadas, não podem não estar sorridas, não podem desviar do nítido, não podem detonar o óbvio. Fotos de quadro não precisam sequer estar olhadas – nem humanamente frequentadas se precisam; às vezes são fragmento, símbolo, objeto, frase, grafite, muro, sol, placa, verso ou qualquer outro instantâneo do momentoverso que não revele no atacado mas traduza no varejo, como um botton que anexa ao portador não uma obra e sim uma essência.

Fotos de porta-retrato são o funcionário do mês, fotos de quadro são a alma da festa. Fotos de porta-retrato são apostila, fotos de quadro são galeria. As primeiras são quens e ondes, as segundas são comos e quês; estas poesia, aquelas conto. Fotos de porta-retrato andam escoteirando boas ações pela casa, ora aqui ora ali, saltitantes de agradabilidade; fotos de quadro são divas cool e fixas que condescendem em estender o dedinho de como vai? e, no mais, deixam-se permanecer absolutonas, moradoras, anfitriãs, tão partes da casa que lhe fazem cicatrizes. Umas são boas meninas, melhores alunas, cheias de noventa graus e composições de cores e skylines e enquadramentos perfeitos; as outras são bem outras, bem elas, imperfeitas e alternativas, tortas e interessantes, possivelmente toscas, possivelmente loucas. Umas coram, as outras piram. Umas resenham, as outras redesenham. Umas têm tato, as outras têm bossa.

Ambas são qualquer parte nossa.

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