quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Nanakusa


A tradição bonitinha de hoje, no Japão, é a Nanakusa-no-sekku, ou Festival das Sete Ervas. Como quase tudão daquelas bandas, a coisa vem de looonga data; uma obra célebre que catalogava festejos chineses nos séculos VI e VII já descrevia esse hábito de tomar sopinha com sete vegetais, no sétimo dia do primeiro mês, a fim de chamar longevidade, saúde, proteção contra malvadices. A lógica é fofa: há pouquíssimo verde no inverno asiático, e as tais ervitas se adiantam à primavera como um assinalar de cor e vida sobre a brancura do mingau de arroz, combinando portanto com as vibes de ano-novo. Na noite do dia 6 ou manhã do dia 7, os queridos japinhas cortam as ervas voltados para a "direção da boa sorte", enquanto entoam um canto que (com variações) celebra o preparo da nanakusa "antes que as aves do continente [China] voem para o Japão". Tchucssss.

Não temos por cá essa simbologia fofurilda, mas temos, é fato, branquice de mais em nosso mingau de réveillon – com tempero possivelmente de menos. Ressalvadas as exceções (em geral douradas ou prateadas, para manter a ideia borbulhante de festa e sublinhar os desejos financeiros), rolês de finício de ano se vestem daquele brancobrancobranco monótono que teoricamente evoca paz, sem considerar porém que a paz não é a tela; a paz é a pintura. A paz é o movimento, a ação, não a esperança nem a espera, direitinho como a essência do festival japonês é o manipular das ervas e não o mero consumir do arroz. Sem o trabalho de encontrar, escolher, colher, lavar, picar o que dá sabor e sentido ao prato, não há rito nem celebração, há o mesmíssimo grão ensopado somente, nu dos esperados começos.

Sendo sete as ervinhas que pintam (n)a refeição oriental do dia, sugiro irresistivelmente que os símbolos se misturem e a nossa nanakusa metafórica – que estou decidida a agitar por aqui – se arco-irise de uma vez, se tinja de todos os tons congruentes com o que PRECISAMOS evocar e edificar. Temperinho violeta para o novo ano, por exemplo: mais (mais, mais, mais, mais, mais, mais) feminismo, atuante e poderoso sobre todas as gerações de mulheres e homens, para quebrarmos definitivamente o ciclo de todas as violências, de todos os abusos. Tempero anil, com sua pegada de evolução índigo: mais espiritualidade genuína, aquela que autenticamente polvilha amor nas subjetividades e mostra quanto a exclusão é oposta à religião. Também mais azul – de combate pela serenidade às ânsias hiperativas do capitalismo histérico – e mais verde – de defesa incansável, doida, aguerrida dos nossos recursos naturais que não são lenha para canalhas. Mais AmarElo: muita cultura ardente, amorosa, antropófaga, brasílica, muito cinema, muita música, muita literatura, muito Torto arado, muito Emicida. Mais laranja – não o daquela família, nem daquele banco: de pôr do sol sim, à beça, a rodo, resumindo a contemplação avidíssima das disponíveis belezas. Mais vermelho a rodo, a cântaros – aquele fogo igualitário, abraçante e comunistérrimo, coraçãote, que pulsa e não sossega enquanto não existe o mesmo palmo de terra, o mesmo prato cheio, o mesmo trampolim como base e porto de cada vida de gente.

Vá lá que a paz desejada para um novo período seja retratada de branco, por praxe; mas seja também permanente a lembrança: é tom que só se atinge pela ciranda abraçada e incansável de todos os outros.

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