quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Prefiro


Um dos maravilhosos poemas de Wislawa Szymborska, "Possibilidades" (de cuja tradução infelizmente fico devendo os créditos), é todo inteirinho feito de preferências: "Prefiro Dickens a Dostoiévski", "Prefiro a cor verde", "Prefiro o ridículo de escrever poemas/ ao ridículo de não escrevê-los", "Prefiro a bondade astuta à confiante demais", "Prefiro os países conquistados aos conquistadores", "Prefiro guardar certa reserva", "Prefiro as gavetas", "Prefiro o tempo dos insetos ao das estrelas" – e mais um borbotão de quereres dos quais pincei, aqui, só uma pouquinha representação. Sem desejar imitar caraduramente a inspiração de Wislawa e já imitando, me dou ao desfrute de listar também umas quantas escolhas miúdas, apenas por um respiro de trivialidade e lalarilarice no meio do circo de pavores em que temos morado:

Prefiro mate com pêssego.

Prefiro colares.

Prefiro que se volte a dar descanso para a palavra gratidão (encheu, gente). 

Prefiro George Sand a Alexandre Dumas. E a Honoré de Balzac. E a Victor Hugo. E a Gustave Flaubert.

Prefiro cerejeiras a cerejas.

Prefiro garimpar feiras a visitar pontos turísticos.

Prefiro que não me telefonem. Nunca.

Prefiro demorar-me em psicologias a debruçar-me sobre fatos. 

Prefiro tudo isento de neutralidade – inclusive as máscaras.

Prefiro a inexistência de provérbios e assemelhados clichês, a não ser que devidamente subvertidos.

Prefiro noventa-porcentomente o silêncio à música.

Prefiro as palavras cruzadas mais impossíveis.

Prefiro desarmar bagagens a desarmar o Natal. 

Prefiro me banhar frio no verão a banhar-me quente no inverno.

Prefiro romances de capítulos ligeiros a grandes massas impressas.

Prefiro vinho tinto a suco de uva, mesmo detestando alcoolices gerais.

Prefiro que não me deem livros; os meus mais afeitos eu provavelmente já tenho, os mais eu provavelmente não leria.

Prefiro pão francês.

Prefiro dizer a verdade, visto que mentir é peripécia de alta insuportabilidade narrativa.

Prefiro não jogar jogo absolutamente nenhum com perfeitamente ninguém.

Prefiro a rota alternativa, a seleção improvável, o caminho desusado, o personagem rejeitado, a data inabitual, o tema insólito, o adjetivo anômalo, o pronome oblíquo, a gramática rock'n'roll, a pegada inédita. 

Prefiro que não me imponham, não me exponham, não me esperem, não se colem, não enrolem, não se demorem.

Muito aproximadamente nunca.

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